Sobre João Ubaldo, Itaparica, pontes e metrôs

O Governo da Bahia pretende construir uma ponte entre Salvador e Itaparica. O argumento é que a ilha está abandonada, que os veranistas não querem mais ir para lá porque o ferryboat é um péssimo serviço (embora esteja em mãos da iniciativa privada), que quem mora na ilha e trabalha do lado de cá sofre para chegar no emprego, que gasta-se horas de fila, travessia interminável (embora eu adore profundamente a vista da baía de Todos-os-Santos) e o risco da embarcação quebrar, sem contar as barbeiragens que ocorrem de vez em quando, como batidas nas amuradas na hora de atracar. A ponte para a ilha é uma conversa antiga, desde a minha infância ouço pessoas conversando que a Bahia tinha de ter a sua Rio-Niterói, melhor dizendo, a sua Salvador-Itaparica.

Agora, querem construir sob a afirmação de que a ponte vai acabar com todos os problemas dos moradores da ilha, vai tirar o atraso da região, melhorar a economia, levar emprego aos ilhéus, aumentar o turismo. etc, etc etc. Não sou contrária ao progresso e nem refuto esses argumentos, porque não tenho estudos que comprovem o contrário, assim como também não tenho estudos que comprovem este milagre apregoado pelos defensores da ponte. Não sou engenheira,  muito menos política e também não moro na ilha, para sentir a dureza na carne. Mas, como a baía de Todos-os-Santos é um ecossistema delicado, espero que ao menos um estudo ambiental sério seja feito, até porque, se a baía sofrer, os pescadores, marisqueiras e toda a cadeia de pescado na ilha, na região metropolitana e aqui mesmo, em Salvador, também sofrem. O que me incomoda nessa discussão toda é a incapacidade do nosso governo em ouvir opiniões contrárias. Uma prática que aliás é da esquerda, da direita, do centro, de cima ou de baixo, não importa, quem está no poder é sempre situação e quem não está, oposição. Sendo que quem está no poder não gosta de ouvir nada que não seja elogio ou concordância. Detesto discutir política, definitivamente, com tanta coisa para se falar em um blog, política é o último tema na terra que está na minha preferência. Mas gosto de discutir cidadania e uma ponte, empregos, meio ambiente, tudo isso para mim é assunto da esfera cidadã.

Debate? Se existisse, o governador não declararia na imprensa que  a opinião de um escritor conceituado é besteirol. João Ubaldo Ribeiro, que atualmente mora no Rio, mas nasceu e passa suas férias em Itaparica, escreveu um artigo, uma opinião pessoal  sobre a ponte, emitindo o seu pensamento de que a obra só servirá para enriquecer empreiteiras (será que é por causa das obras do metrô de Salvador? Que começou com a direita, foi legada à esquerda e ainda está no mesmo reme-reme, mega faturada e sem prazo de conclusão?! Hummm). Bom, sendo baiano e sabendo de que forma o poder, seja de esquerda ou direita, ou de cima do muro, atua nesta terra, não é de admirar que João Ubaldo dê uma de São Tomé e logo de cara, duvide do projeto e das suas intenções. É direito dele duvidar.

Se João Ubaldo está certo ou errado, se ele tem argumentos ou não tem, não é isso que estou discutindo. O que discuto aqui é que ele tem direito de opinar, de dizer o que pensa, de escrever isso, de publicar no jornal A, B, ou C, num site, no blog dele (se ele tiver um), tem direito de discutir isso com Seu Zé que vende coco numa praia da ilha, pode jogar no twitter, falar na rádio, botar na comunidade dele no orkut, ou até mandar uma carta para o próprio governador. Todos os cidadãos que se acham capazes de sustentar um debate podem, lógico, opinar sobre a ponte. Embora o achismo seja uma prática condenada pela ciência, até onde eu sei, nenhum estudo começa sem que antes alguém “ache” (teorize, suponha, desconfie) de alguma coisa. A partir daí, do achômetro, lá vamos nós em busca de argumentos que consolidem ou refutem a ideia inicial.

Escritor, famoso, formador de opinião, com certeza Ubaldo é. E, provavelmente, se valeu desta privilegiada posição social para lançar a questão no ar, sacudir a estrutura, atiçar a polêmica e fazer com que as pessoas, antes de comprarem a versão oficial de que o mundo vai ficar mais bonito depois que Itaparica tiver uma ponte, pense e avalie direito a coisa. No entanto, se a obra tiver de ocorrer mesmo, se ficar provado que ela é a salvação da ilha, não vai ser o artigo ou a opinião de Ubaldo que impedirão isto. Até o próprio, que parece sensato, vai admitir que estava errado e comemorar o sucesso da empreitada, acredito. Filho da ilha, duvido que ele queira o local abandonado como está. No entanto, o que está em discussão acima de tudo é que antes de se fazer uma obra deste tamanho, há que se discutir sim, e muito, em todas as instâncias sociais.

Consulta pública, parecer ambiental legítimo e sério e não as autorizações a três por dois que sabemos que rolam entre órgãos ambientais e empreiteiras, votação, plebiscito…todo tipo de ferramenta democrática (acredito que ainda vivemos em uma democracia) precisa ser utilizada para que o resultado final seja realmente mudar a realidade da ilha e dos moradores que vivem uma onda de violência e empobrecimento da região que se arrasta e se agrava ano após ano. Que ninguém está contente com a concessionária do sistema ferryboat é fato, mas do que adianta construir uma ponte se ela engarrafar e os veranistas ficarem cinco horas na estrada? Ponte sem estudo de tráfego por exemplo, não surte muito efeito, vide os viadutos que ligam nada a coisa nenhuma que pipocam em Salvador. Que a ilha precisa sim de um plano de desenvolvimento, quem vive lá sabe disso melhor que eu, mas do que adianta a ponte se ela servir apenas para ligar Salvador a condomínios de altíssimo luxo do lado de lá da baía?

Ninguém seja ingênuo de duvidar que as construtoras baianas já não estão de olho naqueles recifes e praias. Alguém lembra das promessas de quando a linha verde foi construída? Eu lembro que várias construtoras fizeram condomínios exclusivos no litoral norte, mas os pescadores, marisqueiras e a gente do mangue naquela região continua vivendo da mesma forma que sempre viveu, na pobreza. Sauípe, alguém lembra que a promessa era gerar emprego para a população das vilas no entorno do mega complexo hoteleiro? Até onde eu sei, esse povo do entorno continua vivendo da pesca, enquanto nos hotéis, pelo menos nos cargos de maior remuneração e prestígio, só tem gente de fora da Bahia e do Brasil. A alegação é que falta qualificação aos daqui. Então, que as obras de infraestrutura também contemplem qualificar mão de obra, que os planos de governo também contemplem educação de qualidade para os filhos dos mais pobres e não apenas alfabetizá-los o suficiente para o voto. Alguém lembra da Ford? Pois é, caso igual ao de Sauípe. Os maiores cargos pertence a gente de fora da Bahia.

Não quero dizer com isso que o progresso seja barrado e que o Estado deixe de receber empresas e empreendimentos, lógico que não! Mas é preciso que o plano seja inclusivo de fato e não apenas no outdoor que alardeia “estamos trabalhando para você”. Dos dois lados, de quem é contra e de quem é a favor, vai haver argumentos fortes. O maior exemplo de um projeto que vira guerra política e de vontades é a transposição do Rio São Francisco. Acabar com  a seca, levar água a quem tem sede. Tudo isso é bonito no papel. Me dou o direito de duvidar das promessas deste governo da mesma forma que duvidei das promessas do anterior, porque conheço bem a história do meu país. Tenho minhas dúvidas se não existem formas mais baratas e ecológicas de ajudar o sertanejo, sem alterar o curso que a natureza escolheu para o rio. Da mesma forma que tenho minhas dúvidas se a ponte até Itaparica vai, num passe de mágica, resolver todas as questões de segurança pública e da economia e desenvolvimento locais. O máximo que uma ponte faz é ligar um ponto ao outro, mas o caminho, quem traça somos nós. E para mim, não existe caminho possível quando o governo fecha os ouvidos a tudo o que seja contrário às suas próprias ideias e acusa de dizer besteiras alguém que está exercendo o senso crítico, essa faculdade tão inerente ao animal humano, mas que cada vez menos gente se permite usar.

Obrigada Ubaldo, por botar lenha na fogueira e fazer o projeto ser discutido. E tomara que a ponte, a transposição e todas as obras viárias (com metrô ou sem) que transformam Salvador em um canteiro de obras gigante, sirvam para mais do que enriquecer as mesmas construtoras de sempre, os mesmos vereadores, os mesmos deputados, os mesmos lobistas, e a mesma elite colonial pé de poeira que vem explorando este país há cinco séculos. Definitivamente, ninguém é tão mesquinho assim para querer que uma obra dê errado apenas para apontar o dedo e dizer: “não falei que era mentira!” Pelo amor de Deus, quem duvida é porque quer ser contrariado. É muito mais benefício para a sociedade como um todo, sem distinções, quando, contrariando todas as nossas expectativas negativas, o governo realmente cumpre sua função, independente do partido a que serve.

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