A raposa é um animal injustiçado. Sempre associada a esperteza de um modo negativo, no sentido de levar vantagem sobre os outros, o bicho virou sinônimo tanto de malandragem quando de traição. Mas o Senhor Raposo, personagem de O Fantástico Senhor Raposo, obra de Roald Dahl relançada este mês pela Martins Fontes, sem abrir mão da sagacidade dos de sua espécie, está longe de ser o vilão. Através dessa singela história infantil, o escritor ressuscita um típico herói das novelas de cavalaria inglesas, Robin Hood, o nobre traído que vai viver em meio aos bandidos na floresta de Sherwood e tem como política roubar dos ricos para distribuir aos pobres.
Os ricos desta fábula são três fazendeiros que incorporam todas aquelas qualidades negativas atribuídas às raposas: rapinagem, ganância e uma certa astúcia perversa. Boque, Bunco e Bino são avarentos, sujos e mal-humorados. Tratam mal aos empregados, aos familiares e aos vizinhos. São desconfiados e capazes de gestos muito mesquinhos, como montar acampamento diante da toca das raposas, com armas em punho, para matá-las de fome. Já o Senhor Raposo, embora sobreviva de roubar galinhas, tem em comum com o mítico príncipe dos ladrões os bons sentimentos, o senso de justiça, a solidariedade em distribuir parte da sua comida com outros animais e um certo charme que deixa a Senhora Raposa muito apaixonada e as quatro raposinhas orgulhosas do pai.
Escrito em uma linguagem leve, dinâmica, com uma narrativa ágil, divertidíssima e irônica de uma forma que as crianças compreendem e os adultos adoram, O Fantástico Senhor Raposo mostra como a inteligência é capaz de vencer a força bruta, mesmo quando tudo parece perdido. É um livro sobre amizade, confiança e persistência, mas com doses generosas de aventura e reviravoltas surpreendentes, bem ao gosto de crianças de 8 a 80.
O Senhor Raposo lembra Robin Hood na forma meio atrevida e até zombeteira com que enfrenta os perigos, mas também traz características do heroísmo engajado dos mosqueteiros de Dumas e até aquela crença inabalável do Quixote de Cervantes, mas com um senso prático bem britânico para resolver as dificuldades. Não desiste de lutar pela sobrevivência das raposinhas nem quando Bunco, Bino e Boque colocam tratores sobre ele. Já os três fazendeiros são a metáfora para as grandes corporações, que na época em que a obra foi escrita, cresciam, engordavam e engoliam tudo ao redor, da mesma forma que “as pás terríveis” engolem a campina onde vivem as raposas, coelhos e texugos.
Escrito nos anos 70, época de contracultura e contestação, e publicado pela primeira vez no Brasil em 1991, um ano após a morte de Roald Dahl, o livro é relançando no momento em que o diretor norte-americano Wes Anderson transpõe a história para o cinema. Anderson, realizador do circuito alternativo de Hollywood, aclamado por comédias ácidas e que retratam famílias desajustadas como Os Excêntricos Tenembauns, Viagem a Darjeeling e A Vida Marinha de Steve Zissou, estreia em animação através da técnica de stop motion (que utiliza bonecos ao invés de desenhos).
A adaptação, indicada ao Globo Ouro de Melhor Animação, embora siga boa parte do original de Dahl, não deixa de trazer elementos caros à filmografia do diretor, como os conflitos entre pais e filhos e o sarcasmo dos personagens, o que tem feito a crítica especializada apontar o filme como interessante para adolescentes e adultos, enquanto o livro, mais lúdico, é indicado aos leitores de todas as idades, incluindo os mais novinhos.
Ficha técnica:
O Fantástico Senhor Raposo
Autor: Roald Dahl
Tradução: Jefferson Luiz Camargo
Editora: Martins Fontes
92 páginas
R$ 24,80
Veja a lista das obras de Dahl publicadas no Brasil:
Os minpins
As bruxas
A incrível história de Harry Sugar e outros contos
O maravilhoso remédio de Jorge
Matilda
A fantástica fábrica de chocolate
Os pestes
Danny, o campeão do mundo
A girafa, o pelicano e eu
Charlie e o grande elevador de vidro
BGA – O bom gigante amigo
Historinhas em versos perversos
O fantástico Senhor Raposo
Os Gremlins
James e o pêssego gigante
O dedo mágico
O crocodilo enorme
Contos da vizinhança
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