Da série Fragmentos da Conversa Alheia
A menininha devia ter uns quatro anos, no máximo, o que dava para perceber pela dicção e pela lógica simples e clara de raciocínio. Sempre me intriga o fato de perdermos a capacidade de deduzir o mundo com tanta nitidez depois que nos tornamos mais velhos e passamos a observar mais as variáveis envolvidas na questão e menos a questão em si. Sou fã de carteirinha da simplificação infantil. Se os adultos interpretassem o mundo a partir do olhar de uma criança, a vida seria mais fácil, com toda certeza.
A mãe, risonha, bem-humorada, do tipo que dá corda à imaginação, dialogava com a menina, não como quem conversa com um bebê, mas como quem interage com um ser pequeno, ainda inexperiente, mas dotado de inteligência e capacidade interpretativa. O repertório claro, condizia com o de uma menina de quatro anos, mas não era tatibitati.
Sentada no banco do ônibus um pouco à frente, me deliciava com o papo das duas. Voyer, sim!, Testemunha de um momento íntimo tão delicado, do prazer que irradiava daquela conversa. Fiquei extremamente bem-humorada. Sem pudores, não escondi o riso diante das sacadas da menina.
O tema da conversa? Um dos mais prosaicos do cotidiano, brigadeiros e chocolates, uma delícia!
Elas falavam mais ou menos assim:
Menina: – Vou comprar chocolate e brigadeiro!
Mãe: – Ah é? Onde? Com que dinheiro?
Menina: – Na lanchonete e você mim dá o dinheiro né mãe?
Mãe: – E você vai comprar um brigadeiro pra mim também?
Menina: – Vou. O meu é de brigadeiro de chocolate e chiclete.
Mãe: – Nunca vi brigadeiro de chocolate e chiclete! Mas o meu vai ser grandão e o seu pequeno, porque você é pequena e eu sou grande, certo?
Menina: – Mamãe, é melhor o meu ser grandão e o seu também ser grandão.
Mãe: – Mas porque, se você é pequena e eu sou grande? O maior para quem é grande e o menor para quem é pequena.
Menina: – Mas o meu vai acabar primeiro e eu vou querer o seu. Se for dois grandão é melhor.
Mãe: – Mas eu não tenho dinheiro pra comprar dois brigadeirões!
Menina: – Então você compra dois pequenininhos. Um pequenininho pra mim e um pra você.
Mãe: – E por que não pode ser um grande pra mim e um pequeno pra você, já que sou grande e você é pequena?
Menina: – Porque não é justo, mamãe!