Busco ser uma pessoa livre de preconceitos, na medida do possível. Mas confesso que tendo a ser implacável com as coisas das quais não gosto. Sempre acreditei que gosto se discute sim, se lapida. O que não se discute é o direito de alguém gostar de pagodão enquanto você, por exemplo, prefere a nona sinfonia. Para mim, lógico, não dá para comparar os dois estilos musicais, mas dá para estudá-los, cada um, dentro do seu contexto e entender o seu sentido. Tudo tem um sentido, mesmo aquilo que esteticamente eu rejeito.
Por que existem letras de duplo sentido? É por que a população mais pobre é inculta ou é por que não lhes oferecem algo de “maior qualidade”? Que direito eu tenho de dizer que a música que ouço é melhor que aquela ouvida pelas meninas que requebram até o chão? Que direito tenho eu de dizer que uma parcela da população é inculta, só porque as referências culturais são diferentes das minhas? Quem disse que minha cultura é superior a de outra pessoa?
Pessoalmente, não consigo conceber que uma mulher, não importa a idade, a cor da pele ou a condição social, ache bonito “ralar a xana no asfalto” para deleite de outros homens e mulheres também, que olham para a cena com emoções que vão da luxúria ao “olhar antropológico” como quem diz, – que coisa pitoresca! Para mim vai além de uma referência cultural diferente da minha, tem relação com formas de exploração atávicas: dos homens para com as mulheres, da população branca para com a negra. Até porque, quase sempre são mulheres negras ou afrodescendentes que requebram até o chão e ralam a ‘xana’ no asfalto. Ou como diriam Caetano e Gil, são as brancas pobres, que são quase pretas.
Mas a picardia vem de agora? E o maxixe o que era? Uma dança escandalosa no começo do século XX! O caminho para despir-se dos preconceitos e conseguir discutir o gosto sem desqualificar é longo. O caminho para entender até onde existe uma manifestação popular espontânea e quando é que a coisa começa a virar exploração midiática e folclorizada, além de longo, é árduo. Entender o que é a raiz, o que é a mistura, o que é a influência da colonização ou da escravidão, o que é uma cultura própria ou uma aliterada, transmutada (transfigurada até em muitos sentidos), um desafio tão grande que até me assusta.
Mas, vamos ao desafio, aprender a discutir e mais ainda, entender o gosto como processo histórico….
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E por falar em gosto musical:
Buena Vista Social Club toca em Salvador, no TCA, em 6 setembro! O teatro ainda não informou valor de ingressos e nem quando começam as vendas. Mas divulgo aqui assim que tiver essas informações. Para quem não conhece, Buena Vista Social Club reúne os músicos e intérpretes da velha guarda da música cubana, como Omara Portuondo, Ibrahim Ferrer, Ruben Gonzalez e outros gênios, entre eles o saudoso Compay Segundo, redescobertos após Ry Cooder realizar documentário homônimo que virou febre mundial (numa das raras ocasiões em que uma febre mundial não é mero oba-oba). Sem sombra de dúvida vale muito a pena!
Sim, quanto a isso você tem toda razão, é necessário dar a conhecer, mostrar a diversidade cultural, daí, cada um faz o seu repertório. Mas, infelizmente, não é o que acontece.
Concordo com você,Andreia. Agora, o tal jabá, que tiraniza as programações musicais das rádios, é que eu considero abominável. Ao povo também devia ser dada a nona sinfonia de Beethoven. Penso que na mesma frequência e tempo usados nas rádios, que são concessões públicas.