Cheguei à redação, na quinta-feira, 25, às 18h, para começar o plantão de cada dia. Minha intenção era adiantar um texto sobre cinema, mas a morte de Michael Jackson mudou radicalmente os planos. Coincidência, no meu mp3 havia algumas das canções de Thriller, um dos seus discos de que mais gosto. Por volta das 18h30, agências de notícia internacionais divulgavam nota de um site de fofocas sobre celebridades dando conta de que Michael Jackson, a estrela pop mais criativa e controversa das últimas décadas, tinha morrido de parada cardíaca, em sua casa, o rancho Neverland, “terra do nunca” de um menino que aos 50 anos, continuava teimosamente não querendo crescer.
Vespeiro na redação. Editores de impresso correm para o arquivo, atrás das fotos raras ainda não digitalizadas. Repórteres de cultura que tinham ido para casa, retornam ao jornal. É hora de pesquisar biografia, discografia, as notícias factuais da morte, os depoimentos de outras celebridades. Circo armado, o espetáculo da notícia começa. Na internet, que nos últimos quatro anos tem sido minha praia, começa a frenética busca por material multimídia: videoclipes, galerias de fotos, abrir enquetes para os fãs manifestarem o seu pesar…
Michael Jackson morreu! A ficha só cai depois que o especial está todo montado e abarrotado de links. Depois do dever cumprido, “primeiro a obrigação, depois a devoção”, começo a pensar no que sinto em relação a morte de um dos ídolos da minha adolescência.
Nada.
Mas é um nada cheio de coisas.
Quando eu tinha 8 anos, Thriller foi lançado mundialmente e eu, que morro de medo de zumbis desde sempre, me peguei assistindo avidamente o videoclipe da canção. Passou no Fantástico. Michael Jackson vira morto-vivo, vira lobisomem… Zumbis (argh!) dançam uns passos muito “maneiros”. Ao longo dos últimos 25 anos, devo ter visto Thriller tantas vezes que perdi a conta. A última, alguns meses atrás, foi para apresentar o clipe ao meu filho. Ele adorou, claro. Que criança não gosta de monstros? Eu gostava. Mas os zumbis… ainda não sei lidar com eles.
Daí, eu devia ter uns 12 anos, quando minha mãe me deu o álbum de Thriller de presente de Natal. Uau, sempre gostei de dançar e os rodopios de Michael Jackson eram tentadores. Em 1988, ganhei Bad, lançado no ano anterior. Tinha 14 anos, gostava de Madonna, do Duran Duran, ouvia meus discos até furar. Sabia todas as letras de cor. Bad é um disco mais adulto, tem letras fortes, tem sensualidade, enquanto Thriller tem pegada, suinge, euforia festiva. E tem beat it, uma das músicas que considero mais sensuais na tradição pop dos anos 80.
Em 1995, quando eu tinha 21 anos e Mr. Jackson veio a Salvador gravar com o Olodum, eu ainda ouvia meus discos ocasionalmente, mas não fui ver o astro no Pelourinho. Depois de Bad, parei de acompanhar a carreira dele. Nunca fui fã de música a ponto de tietar artistas. Dangerous e os discos que vieram na sequência, para mim, não são tão bons. Tem momentos, mas não são para ouvir da primeira à última faixa, como os anteriores. O monstro interior que devorava Michael Jackson ficou maior que ele. Para mim, a criatividade, a espontaneidade, a alegria esfuziante de Thriller se perdeu depois de Bad e ele foi engolido pela indústria. O cantor para mim já estava morto há anos. Naquela época, no segundo semestre da faculdade de comunicação, eu andava às voltas com resenhas e trabalhos, conciliava estágio e curso, Michael era um capricho da adolescência e eu lembrava dele com saudade do tempo em que eu podia ficar em casa vendo sessão da tarde e fazendo ginástica em frente ao espelho, ao som de Michael, do A-Ha…
Minha trilha sonora dos tempos de faculdade era mais pesada: R.E.M, de quem sou fã até hoje, Nirvana, Metallica, Alice in Chains. Nos meus momentos de calmaria, os clássicos, R&B, Elvis, Ray Charles, Beattles, Noel Rosa, as canções de Nelson Gonçalves com as quais era ninada para dormir desde bebê, Caymmi, Vinicius, Bethânia. Sempre tive um gosto musical esquizofrênico. No meu mundo cabe de tudo um pouco.
Daí, os anos 2000 chegam e eu sou mãe de um guri de três anos. Denúncias de que Michael Jackson era pedófilo me enchem de pena e indignação. O branqueamento obsessivo do astro e as excentricidades como dormir em bolha de oxigênio (sabe-se lá se isso era verdade!) provam que ele se perdeu num labirinto de inseguranças que, de longe, não tenho como julgar e qualquer um que tente está apenas usando clichês da psicologia. Michael Jackson não queria crescer, por isso dormia com crianças. Ou, ele foi abusado na infância e por isso, tem essa obsessão com a inocência. Ou ainda, é muito difícil ser negro nos Estados Unidos, o cara não aguentou a pressão. São tantas teorias, mas só o atormentado Michael sabia o preço de ser quem era.
Resolvi separar Michael Jackson em dois. O jovem talentoso até o lançamento de Bad e o homem sem face e identidade daí para a frente. Quando mostrei Thriller para meu filho disse: “esse é o melhor clipe já feito, na minha opinião, e na época, toda essa tecnologia era revolucionária. Esse artista é o Michael Jackson, um ídolo dos anos 80, um cara com um grande potencial, mas que se perdeu nos últimos anos, teve a arte prejudicada por escândalos. Ainda existem diversos artistas que imitam ele, que refazem o que ele criou, mas agora ele é mais famoso pelos escândalos do que pelo seu trabalho”.
E hoje, relembrando o que senti na noite de ontem, quando soube que Michael Jackson morreu, vejo que o meu não sentir nada é um lamento… Lamento que o homem que ostenta o recorde de ser o primeiro negro a ter exposição massiva na MTV, a entrar para o Guinness Book inúmeras vezes e criar um estilo único e ainda imbatível na cena pop, um cara com uma sonoridade tão black, tão moldada na melhor tradição da soul music, tenha morrido como um excêntrico, recluso e decadente astro em vias de apagar-se.
P.S.: Agora que a notícia da morte de Michael é fato e não mais boato, todo mundo já sabe que ele não morreu em Neverland, mas na mansão que alugava desde 2005, nas cercanias de Los Angeles.
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Para quem quer saber sobre a vida e morte de Michael:
>>Cobertura do Portal A TARDE On Line
>>Artigo sobre a luta do ídolo com a sua cor
Eu gosto das canções dele, principalmente da fase que vai dos Jackson Five até a gravação de Bad, em 1987. Sendo que muita coisa foi gravada antes de eu existir, mas é a tal da alma nostalgica. A fase black power dele é muito boa, cheia de soul, suinge, black music, que eu realmente curto. Os discos feitos com Quincy Jones são muitos bons. Mas idolatrar realmente, acho que não idolatro cantor nenhum. Meus ídolos são Pessoa e Saramago. Beijos
Olá, Andreia. Este ídolo nunca ocupou lugar em meu andor. Também nunca compôs uma só canção que tenha feito parte da trilha sonora dos meus sonhos. Beijos.