A última de Gilmar, sobre blogues

O ministro do STF, Gilmar Mendes, disse mais uma “besteirinha” durante o julgamento da obrigatoriedade do diploma de jornalismo, que eu deixei de comentar no post anterior por falta de espaço. Não espaço na web, que é ilimitado, mas no encadeamento das ideias. Além disso, a “besteirinha” em questão rende um capítulo, ou melhor, um post a parte.

Gilmar Mendes, querendo dar mostras de que está por dentro das mídias digitais, disparou que a obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo não se aplicava mais ao mundo atual, de proliferação dos blogues. “Para escrever um blogue não precisa ser jornalista diplomado”, afirmou.

Alguém por favor dê uma aulinha básica de comunicação ao ministro, porque uma pessoa com cargo tão importante não pode sair por ai “abobrinhando” em rede nacional. É lógico que ninguém precisa ser jornalista diplomado para escrever um blog, até porque, caro ministro, os blogues não foram invenção dos jornalistas, mas apenas mais uma ferramenta apropriada pela categoria para agilizar a divulgação de notícias, fugir da rigidez dos jornais diários e ganhar audiência entre o público jovem através de um meio mais interativo e de expressão mais livre.

Os blogues nasceram como ferramenta social e de entretenimento. Adolescentes começaram a escrever blogues como diários virtuais, compartilhados e lidos por toda a rede. A imprensa se apropriou dos blogues a partir da Guerra do Golfo, quando jornalistas e cidadãos escreviam diários pessoais da ocupação e uma espécie de making off da guerra. A partir daí, primeiro timidamente e depois de forma cada vez mais sistemática, a imprensa descobriu as vantagens de manter comentaristas blogando nos seus portais. Os advogados, médicos, economistas, engenheiros, psicólogos e educadores – só para citar algumas profissões – que mantém blogues nestes portais, como colunistas virtuais, não são jornalistas diplomados.

Existe uma quantidade enorme de jornalistas que também são blogueiros (eu, inclusive), mas o número de blogueiros que nunca estudou jornalismo ou qualquer outro curso superior e no entanto comenta fatos noticiosos é ainda maior. Muitos desses comentários são fantásticos, aliás. Pois como não estão amarrados a um grupo de comunicação específico, são mais críticos, gozam de maior liberdade. É a leitura pessoal, de um “cidadão comum” sobre um fato que atinge a todos nós, pessoas comuns. Nem precisa, mas não custa nada lembrar que a grande maioria dos blogues no ar contém informações, serviços, dicas, orientações, críticas de livros ou filmes, fotos, e uma infinidade de temas também abordados pela imprensa, mas nem por isso essas páginas se autodefinem como jornalísticas.

A blogosfera é grande o suficiente para abrigar uma diversidade que ultrapassa em muito as fronteiras do jornalismo, que aliás, precisam ser redemarcadas. Melhor dizendo, não é de demarcação territorial ou sindical que o jornalismo precisa, mas da expansão que só uma atividade exercida por profissionais “multidisciplinares” consegue ter. O cidadão ganhará bem mais no nível de informação recebida, acredito. E o fato de ter gente com outras formações trabalhando lado a lado em uma redação só fará enriquecer o conteúdo dos jornais, na minha opinião.

E por favor, nada de achar que os hospitais também vão ganhar em muito se houver gente de outras áreas operando o bisturi. Não tem como comparar a comunicação, que é ampla, irrestrita e inerente a todo ser humano, jornalista ou não, com o ato de abrir uma caixa toráxica e operar o coração de um indivíduo. Vi jornalistas bradando que se for para não ter diploma, que acabem com as faculdades de medicina e qualquer um pode ser médico, e me envergonho.

Uma vez tive uma discussão com um jornalista, cheguei a mandá-lo descer do pedestal, porque em um encontro de mídias, falávamos de “jornalismo cidadão”, nome dado a participação dos internautas, espectadores ou leitores na cobertura noticiosa, e esse profissional bradava que o nome não deveria ser jornalismo cidadão, porque jornalismo, quem fazia eram os jornalistas! E desde quando ao me tornar jornalista deixo de ser cidadã? E desde quando a notícia é um patrimônio da imprensa?

Bom, agora que o termo jornalista ganhou uma conotação mais ampla, creio que esse “colega” terá de rever conceitos. O jornalismo cidadão, comunitário ou participativo, como queiram,  é cada vez mais incentivado pelos meios, porque percebeu-se que o leitor/internauta/espectador não quer apenas ser um mero coadjuvante e receber um calhamaço de informações passivamente.  As pessoas querem opinar, comentar, criticar, dar sua versão dos fatos, comparar com as versões de outros, elas querem ter voz e têm esse direito.

Lógico que, seja no universo da internet, dos blogues, do Twitter,  dos jornais de bairro, dos grandes jornais, das redes de TV, das rádios comunitárias com alto falantes pendurados em postes ou das emissoras F.M e A.M, sempre vai haver bom e mau jornalismo. Mas o motivo para a existência do “mau jornalismo” não está  e nem nunca esteve na presença ou ausência de um diploma.

É isso, acredito que agora esgotei o assunto.

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2 pensamentos sobre “A última de Gilmar, sobre blogues

  1. Muita sensatez em seus argumentos Andreia. Se eu tivesse que referendar cada tópico analizado por você, terminaria repetindo tudo que você falou. Quanto ao Gilmar Mendes e suas fraudes retóricas, só quem é tolo leva a sério.

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