De Freud a Maria Mariana, todo mundo tem uma teoria sobre mães, maternidade, criação dos filhos e outras coisinhas do gênero. Me pergunto como seria a vida das mães se elas dessem ouvidos e tivessem tempo para ler tudo o que se diz ou escreve sobre elas. Minha intenção não é desconstruir as teorias do pai da psicanálise, não tenho essa ambição e nem balas suficientes no cartucho para tamanha audácia. Mas posso meter minha colherzinha nas Confissões de Mãe de Maria Mariana, a autora e diretora do livro e da peça Confissões de Adolescente, lembram dela? Li esse livro na minha adolescência, lá pelos idos da década de 90. Na época achei bonzinho, dei boas risadas, mas não bateu aquela empatia. Minha vida e das minhas amigas era bem diferente da de Maria Mariana, e portanto, se tivesse de rebatizar o livro chamaria de Confissões de uma Adolescente. Nesse caso, ela, Maria Mariana. Experiência pessoal e intransferível, que ela dividiu com outras pessoas que encontraram semelhanças e com outras totalmente diferentes. Ainda não li Confissões de Mãe, mas li a entrevista da autora para a Época. Uma amiga, também mãe, me enviou o link (acesse aqui se você também não tinha lido antes). Não posso comentar sobre o livro. Mas, o conteúdo da entrevista me surpreendeu.
Das duas uma: ou a repórter que entrevistou Maria Mariana não entendeu bem o que a moça quis dizer; ou então, aquela adolescente descolada, revolucionária, que escreveu um livro, montou uma peça e alcançou sucesso digno do mais conceituado e veterano autor quando ainda não tinha nem 20 anos, deu lugar a uma mãe careta, ressentida e com ideias sobre maternidade que só podem ter sido tiradas de algum almanaque de bom comportamento para moças, do início do século XIX. É um direito dela pensar que “Deus criou os homens para estar no leme do barco”, enquanto as mulheres aprendem sobre paciência e tolerância catando as cuecas sujas do marido espalhadas pelo chão. Oi? Como diz a música, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Respeito o direito da autora de defender o que ela acha justo, mas discordo totalmente. Dispenso também a cueca suja.
Nem minha avó tinha ideias tão retrógradas sobre ser mãe. Aliás, foi com vovó que aprendi que os filhos, a gente cria para o mundo e não para compensar nossas frustrações da infância. Com a minha mãe, aprendi que é muito mais fácil um filho se orgulhar de uma mãe que dá plantões que duram até três dias, do que de uma mulherzinha ranzinza, que a cada travessura, vai jogar na nossa cara: “tá vendo aí, e eu que abri mão da minha vida para cuidar de você!”.
Lembro que a diversão da minha infância era brincar de escritório com mamãe. Ela trazia trabalho para casa, alguns relatórios para corrigir. Minha irmã e eu nos divertíamos ajudando a arrumar fichas em ordem alfabética, enquanto respondíamos perguntas de uma mãe zelosa sobre como foi nosso dia na escola. A vida real entrava pela porta da minha casa, com as conversas da minha mãe sobre ônibus, custo de vida, uma cena inusitada vista na rua. Nenhum boletim foi para a escola sem assinar, nunca deixei de ter o dever corrigido, levava bronca quando merecia, recebia carinho o tempo todo e minha mãe trabalhou fora por quase 40 anos. Tenho orgulho dela!
Certa vez, um amigo me disse que uma boa mãe é uma mulher que é feliz com a própria sexualidade, com o que vê diante do espelho, com a carreira que escolheu para seguir, com as relações de amizade que constrói, com a própria espiritualidade… Estávamos falando sobre maternidade e sobre escolhas. E nesse ramo, assim como no dos relacionamentos afetivos, todo mundo tem uma receita, uma fórmula mágica. Difícil dizer quem tem razão. Muito provável que todos tenham ou esteja todo mundo errado. Mas, na época, um homem me saiu com essa pérola de respeito ao feminino. Pensei comigo mesma, que belo trabalho a mãe desse rapaz fez com a educação dele! Que pessoa bonita ela colocou no mundo! E meu amigo estava certo, pelo menos para mim. Antes de ser mãe é preciso ser gente e gente, diz o ditado, nasceu para brilhar. Mães que se colocam na sombra em nome de dedicação exclusiva 24 horas por dia, sete dias por semana, aos filhos e aos desejos dos filhos, esquecem de ser gente, esquecem de brilhar. Com o tempo, morrem por dentro. Sobra uma casca robô, cinzenta e amarga, revestindo ressentimento e mágoa. Deus livre todas as crianças do mundo de mães assim! Ou não, sempre podem existir as mães que testam a fórmula do sacrifício extremo e se saem bem. No fim das contas é uma escolha.
No meu caso, o leite que amamentou meu filho, por dois anos e meio, era muito mais saboroso porque enquanto ele mamava em um peito, eu escrevia meu projeto de graduação com a mão livre. Se tivesse desistido da faculdade porque engravidei no último semestre do curso, ao invés de sentir orgulho da mãe repórter, talvez ele vivesse atormentado por uma pessoa frustrada e que, apesar de todo o amor do mundo que sentisse por ele, lá um dia, podia cair na tentação de culpá-lo pela formatura que não veio. E no entanto ela veio. E ele estava lá comigo, mamando em pleno auditório na minha colação de grau!
Na sua entrevista, Maria Mariana critica as mães que dividem a criação dos filhos com a carreira. A autora também recrimina aquelas que tiveram parto cesariano, defendendo a ideia de que para viver plenamente a maternidade tem de parir normal. É uma opinião e opinião é como escova de dentes, cada um tem a sua. Mas eu, por acaso, sou alguma santa católica da Idade Média para sentir prazer na dor?! Não comi a maçã, portanto, o pecado original é só de Eva. Ela que se resolva com o criador, porque eu, mãe sem pecado, não tenho confissões a fazer. E uma anestesia vai bem, que quero estar com uma carinha boa para receber meu rebento nos braços. E não esgotada de tanto fazer força. Mais uma vez, é questão de escolha. Que cada mãe tenha o direito de optar pela forma que considere a melhor para si e para seu bebê, na hora dele nascer!
A autora também diz que a maternidade está em baixa. Quer dizer, o tipo de maternidade que ela prega, na minha visão, está em baixa. Uma maternidade pré-fabricada, fruto do machismo atávico que elegeu um lugar para as mulheres, o gineceu da antiga Grécia! Não obrigada, quero que meu filho entenda do mundo com alguém que vive o mundo na carne, diariamente, e não com uma mulherzinha medrosa, que esconde algum eventual fracasso por trás da maternidade. Não devemos jamais ter filhos para suprir carências, nem para segurar o marido ou obrigar o namorado a casar. Muito menos, devemos colocar filhos no mundo apenas para provar que somos fêmeas.
Não vejo pecado em dividir a maternidade com tantos outros papeis necessários para que a sociedade evolua. Sim, porque ninguém venha para o meu lado com o papo neo machista de que as mulheres se masculinizam para ocupar um lugar no mundo, que elas são cobradas para ser agressivas e bem-sucedidas e que esse perfil não condiz com o de uma mãe. Sou mãe, mas entro no ringue se precisar. E uso salto e batom também, quando estou com vontade!
Existem diversas mães neste mundo que não vacilam em dar tudo de si pelos filhos, mas dar tudo de si não significa se anular. Admiro incondicionalmente as mulheres que tem como ambição de vida ser mães e atuarem até o fim de seus dias na educação de um outro ser. Mas admiro mais ainda o quanto essas mãezonas são discretas e o quanto não precisam necessariamente escrever um livro que defenda que a maternidade delas é que vale e coitadinhas das outras, essas tais de mães modernas. Na boa, seja a mãe que você quiser ser, mas não tente impor isso às outras!
No entanto, admiração mesmo eu tenho é por dona Maria, da feira, que sai de casa com estrelas no céu para vender bananas e assim, evitar que seus filhos passem fome. Admiração eu tenho é pela mãe daquele médico famoso, que o formou em medicina lavando roupa de ganho. Admiro é a mãe de um amigo meu, que aos 50 e tantos anos de vida, traz o lanche dele no trabalho à noite e depois vai para a faculdade, onde cursa uma segunda graduação. Sou fã é das minhas amigas, com carga de trabalho de 12 a 14 horas por dia e que criam filhos maravilhosos, tão conscientes quanto meu outro amigo, aquele que acredita que para ser mãe é preciso antes se realizar como mulher.
Não devemos ser forçadas a virar homens para estar no mercado e ser respeitadas. A globalização é tão dura com as mulheres quanto com os homens, mas é mais árdua para as pessoas do gênero feminino, porque existe toda uma construção social e cultural que tenta nos impedir de aparecer. A globalização é mais dura ainda com as crianças. Ou pensam que é fácil criar filhos em um mundo de super informação e ensiná-los o que vale realmente a pena no mar de insanidade que nos cerca?
Nós é que buscamos reconquistar direitos numa sociedade que por séculos tentou nos impedir de existir. As mulheres reais, aquelas que não estão nas comédias de situação dos filmes americanos tendo ataques de nervos e nem na cabeça dos teóricos da maternidade, essas sabem muito bem conciliar carreira, filhos, marido, namorado, salão de beleza, consolar as amigas deprimidas, ir ao cinema, escovar os dentes, contar histórias, assinar boletim, assistir reunião de pais e mestres, dormir, malhar, comer, educar e principalmente, entender que o cordão umbilical deve ser cortado na hora do parto. Meu filho pertence ao mundo, assim como ao mundo eu pertenço.
Não cabe a mim, ou a Maria Mariana e não cabia nem ao Freud, julgar que tipo de mãe é mais adequado e qual vai ter 100% de êxito na educação dos filhos. Está ai uma loteria mais difícil de acertar que a megasena. Mas com certeza, faremos um bem danado às gerações futuras se soubermos desconstruir ideias machistas que ainda levam gente esclarecida a acreditar que lugar de mulher é à sombra dos filhos ou das cuecas sujas dos maridos!
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Lenha na fogueira:
O blog Escreva Lola, Escreva, também comenta as confissões marianescas