21 de maio – Dia da Cachaça, acreditem!

Minha mãe não gosta muito de saber que nasceu no Dia da Cachaça. Vocês bem podem imaginar o tipo de piada que alguém que faz aniversário em data tão… etílica escuta ao longo da vida. Mas, filha de dono de alambique, criada em meio ao processo de moagem da cana, tendo mexido tachos de melaço na adolescência, não teve jeito, precisou se acostumar com a ideia. Em homenagem a ela e outros geminianos que aniversariam na cúspide com o signo de touro, preparei um resumo histórico sobre a bebida símbolo do Brasil.

Consuma o post com moderação!

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As moedas eram movidas pelo braço escravo. Nos engenhos mais ricos, também havia moendas puxadas por bois, mas no começo da colonização, o gado ainda não era largamente criado no país

As moendas eram movidas pelo braço escravo nos engenhos do século XVI. Também havia moendas puxadas por bois, mas no começo da colonização, o gado ainda não era largamente criado no país

Símbolo brazuca

Não, meus caros, a bebida que simboliza o país do futebol não é a cerveja, embora os brasileiros sejam campeões no consumo da “loira gelada”. Assim como o vinho está para os italianos, descendentes legítimos de Baco, a “branquinha marvada” representa um bom pedaço da nossa história. E vocês não imaginam o quanto de história existe num copo de aguardente.

Mas, nem só de história vive a bebida. Segundo dados do Instituto Brasileiro da Cachaça, o país conta com mais de 40 mil produtores que detêm 4 mil marcas – 99% das empresas são de micro, pequeno e médio portes. Ainda de acordo com o IBC, os estados brasileiros que mais se destacam na produção da cachaça são Pernambuco, São Paulo, Ceará, Minas Gerais e Paraíba. Os estados nos quais a cachaça é mais consumida são Bahia, São Paulo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Ceará e Minas Gerais.

Quando nasci, o alambique de meu avô já tinha virado história de família. Mas tive a oportunidade de ver a fabricação da bebida em 2002, fazendo uma reportagem sobre os engenhos do recôncavo baiano. Naquela época, em São Felipe, a família de Antonio Costa mantinha a fabricação artesanalmente, como era feita há 400 anos, em moendas que giravam sob a força do braço escravo ou pela tração animal. No caso do engenho em São Felipe, a moenda girava com a força dos braços dos filhos de Antonio Costa.

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Da cana à cachaça

CA01_eja_iniciais.qxdA cana-de-açúcar foi trazida para o Brasil pelos portugueses, no século XVI, início da colonização. A história oficial dá conta de que Martin Afonso de Souza, donatário da capitania de São Vicente, trouxe mudas de cana para o país em 1532. Mas, em 2002, o Núcleo Avançado em Pesquisas Arqueológicas da Universidade Federal da Bahia descobriu a localização de um engenho datado de 1520, nas proximidades de Porto Seguro. A teoria é de que após o descobrimento, os portugueses fizeram experiências para saber se a cultura se adaptava ao solo brasileiro.

Junto com a cultura da cana tem início o tráfico negreiro para o Brasil. A origem da cachaça está nos engenhos, mais precisamente, nos escravos, que tinham o hábito de adoçar bebidas com uma rapadura obtida a partir da fervura do caldo da cana e seu resfriamento posterior. A cachaça, assim como o vinho, teria sido descoberta por acaso. Quando o caldo da cana desandava e fermentava, dava origem a uma bebida que passou a ser fartamente consumida pelos escravos.

Por conta da origem em meio aos escravos dos engenhos, a cachaça passou séculos sendo associada a pobreza e degradação. O decreto 4.702, que torna a bebida símbolo nacional e reconhece sua origem como genuinamente brasileira, só foi assinado em 2002.

Na época da escravidão, os senhores de engenho – que preferiam beber a bagaceira, espécie de aguardente de uva – faziam questão de garantir um estoque de cachaça para seus escravos, pois percebiam que sob influência da bebida, os africanos trabalhavam sem reclamar e não morriam tanto de banzo (saudades da terra natal).

Martin Afonso de Souza era irmão do primeiro governador geral do Brasil, Thomé de Souza. Donatário de São Vicente, a ele é creditado o início da cultura da cana-de-açúcar no Brasil

Martin Afonso de Souza era irmão do primeiro governador geral do Brasil, Thomé de Souza. Donatário de São Vicente, a ele é creditado o início da cultura da cana-de-açúcar no Brasil

No século XVII, todo engenho também tinha seu alambique e a cachaça, antes crua, passou a ser destilada e usada como moeda de troca no tráfico negreiro. Nos séculos posteriores, a bebida foi aos poucos adquirindo status de símbolo da luta pela independência e afirmação de identidade brasileira. Os “brancos da terra”, como eram chamados os descendentes de portugueses nascidos no Brasil, rejeitaram a bagaceira dos antepassados e adotaram a cachaça como símbolo nacional. Antes de ser enforcado, Tiradentes teria pedido um gole de cachaça.

Só na segunda metade do século XX a bebida foi perdendo aos poucos a pecha de maldita, de bebida de pobre ou de ópio dos miseráveis para ser apreciada nos salões. Recentemente, existem confrarias de cachacólogos da mesma forma que existem clubes dedicados a enofilia.

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Uma lenda de Santo Amaro

Diz o povo de Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano, que a cachaça é invenção do Diabo. Despeitado porque os homens moiam a cana e extraiam dela o açúcar, o coisa-ruim resolveu dar sua contribuição e ensinou o processo de destilação do melaço e sua transformação em cachaça. O objetivo do capeta era atrapalhar a produção dos engenhos, pregar uma peça nos fazendeiros, mas o tiro saiu pela culatra e os alambiques proliferavam no vilarejo. O povo de Oliveira aliás, tem muitas lendas envolvendo belzebu. Meu avô, que era alambiqueiro da região, conhecia muitas dessas histórias. Uma delas tenta explicar porque a torre da igreja matriz de Oliveira é tão torta quanto a Torre de Pizza. Um coronel, que o tempo já se encarregou de apagar o nome da lembrança dos mais velhos, resolveu construir a igreja para garantir um bom lugar no céu. Só que faltou dinheiro para a obra. Sem alternativa, o coronel levantou um empréstimo com o diabo, sem dizer para o dono do inferno, obviamente, para que precisava do capital. No dia da inauguração da igreja, o capeta descobriu que tinha sido enganado. Furioso, deu um coice poderoso no edifício, que não desabou, já que era obra abençoada, mas ficou com a torre pendendo para um lado.

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engenhos 2

Ciência de alambique

Delfino Golfetto, considerado o maior especialista brasileiro em caçhaca e criador de um museu que conta a história da bebida, no interior de São Paulo, é o autor das dicas que reproduzo abaixo:

DEGUSTAÇÃO:

>>Quando se toma uma cachaça, é preciso observar a ‘agressividade’, a acidez, o sabor alcoólico inicial e residual. A doçura também deve ser observada: é positiva se ela for resultante dos compostos doces do próprio produto e do método de armazenamento (quando também recebe açúcares provenientes da madeira na qual a cachaça é armazenada). É negativa quando é resultante da adição de sacarose. Muitas vezes, o açúcar mascara sabores ruins;

>>Uma boa cachaça é límpida, transparente e sem resíduos. O degustador também avalia a aparência da bebida e não só o seu sabor. Em seguida, ele a cheira: o aroma deve ser agradável;

>>A boa cachaça deixa no copo uma oleosidade que escorre lentamente. É por isso que o cálice deve ser liso, transparente e de boca larga. A bebida queima agradavelmente na boca, “descendo bem suave”;

>>O degustador de cachaça, quando a coloca em contato com a língua por alguns segundos, sabe definir o paladar: adocicado, ácido, amargo ou salgado.

>>No processo de degustação de várias cachaças de gradação alcoólica diferentes, é importante tomar água mineral gasosa e comer pedaços de pão puro.

>>Para degustar uma dose, o ‘cachaçólogo’ demora de 15 a 20 minutos. Um coquetel e uma batida requerem de 20 a 30 minutos.

PADRÃO DE QUALIDADE

>>Uma boa cachaça, geralmente, tem aroma suave. Alguns degustadores costumam agitar a garrafa para verificar a quantidade de bolhas que se formam. Quanto maior o número de bolhas, melhor a qualidade da bebida.

>>A busca pela qualidade começa no preparo do solo. O processo requer a escolha correta do terreno, um bom preparo do solo e a seleção criteriosa da variedade da cana. O plantio precisa ocorrer na época certa, assim como a colheita. A moagem, extração da sacarose, fermentação e destilação são igualmente importantes.

>>A cachaça de qualidade precisa ficar armazenada por, no mínimo, dois anos numa boa madeira. Se ficar acima de oito anos, vira produto nobre e ganha status.

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Cachaça tem até museu

O Museu da Cachaça foi idealizado e é mantido por Delfino Golfetto, empresário do ramo em Tupã, no interior de São Paulo. Quem visitar o museu, conhecerá a história da bebida, verá fotos, reportagens, mais de 2 mil garrafas – algumas consideradas raras – e peças de engenho, entre outros objetos.

Serviço
Museu da Cachaça
Rua Nhambiquaras, 385 – Vila Aviação – Tupã – SP
Telefones: (14) 3441-2321 / 3441-4337

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