Fila de caixa eletrônico

Da série, Crônicas do Cotidiano

Já era hora de ressuscitar a antiga série do Bala no Alvo, Crônicas do Cotidiano. E nada mais diariamente mesquinho do que a necessidade de frequentar um caixa eletrônico de banco. Mesquinho porque enquanto você está na fila, ouvindo música no mp3 player ou qualquer assemelhado digital, ou folheando uma revista ou livro (tem gente que consegue ler em fila, eu sou uma dessas pessoas), ou até matando o tempo jogando “cobrinha” no celular, não pode deixar de observar o quão triste é uma sociedade que se mecaniza, moderniza, alcança níveis estratosféricos de tecnologia, mas não dá conta de algo simples, como a educação básica que permite que alguém leia instruções simples e as compreenda. Para quê meu deus, tanta máquina, tanto botão para apertar, se as pessoas não conseguem usar? Pense na quantidade enorme de idosos que precisam dos caixas eletrônicos para sacar a aposentadoria; ou a quantidade enorme de trabalhadores assalariados que se batem diante das teclas. Gente que mal sabe assinar o próprio nome! Não, este post não é tentativa de desmerecer essas pessoas e confiná-las às filas das agências, que são dez vezes maiores que a dos caixas eletrônicos. Muito menos defendo a ideia de que tecnologia é para quem sabe usar, nada disso. A tecnologia deveria ser como saúde e educação, para todos. Mas, como vivemos uma sociedade dividida entre privilegiados, despossuídos e sobreviventes (os que se equilibram entre um extremo e outro), os três itens faltam para quem mais precisa.

Essa crônica poderia seguir a linha das anteriores, que são mais divertidas, irônicas. Mas é só um desabafo, até impotente, de alguém que tem acesso a educação, que transita no mundo virtual e no mundo real, mas que percebe as disparidades de realidade ao nosso redor. Por mais irritada que eu fique ao esperar 15, 20 minutos na fila do caixa porque à minha frente tem alguém com dificuldades, fico triste em perceber que a dificuldade daquela pessoa não provém do uso do caixa em si, porque é simples usar e até uma criança consegue. Minha tristeza é que essa pessoa, sem contexto, sem escola, sem moradia decente, sem estímulo algum para crescer intelectualmente (porque uma massa bruta é mais fácil de controlar), sem acesso a computadores, essa pessoa poderia ser algo mais do que simplesmente alguém constrangido por não saber apertar os botões certos.

Estava na fila um fim de tarde desses e um rapaz reclamava horrores de uma mulher (mais ou menos da minha faixa etária) que já estava há quase 30 minutos diante do caixa. Ele dizia em alto e bom som que os bancos só deveriam dar cartões eletrônicos para pessoas treinadas e que “peão tinha era de receber na boca do caixa, para quê peão quer conta em banco?”. Me senti mal com as reclamações do rapaz, porque é esse tipo de pensamento egoísta, do “minha vez primeiro e danem-se os outros”, que possibilita que existam abismos tão grandes na nossa sociedade.

Não, as pessoas que passam vexame diante de uma máquina inanimada, sem a maior das faculdades do animal humano, a imaginação, um equipamento que é só metal e circuitos, essa pessoa não precisa de um treinamento para usar um caixa eletrônico. Ela precisa é que o nível da educação básica, média e superior melhorem neste país. Precisa também que antes de reclamar, o companheiro de fila, que teve a sorte de estudar numa escola menos pior (porque atualmente todas são sofríveis), direcione suas queixas para o alvo certo. Porque ninguém é ignorante (do verbo ignorar) por desejo próprio. Existe um sistema, um status quo pervertido, excludente e tão cruel a ponto de transformar um ato prosaico como o de ir a um caixa eletrônico, em sofrimento.

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3 pensamentos sobre “Fila de caixa eletrônico

  1. Pingback: Fique por dentro Eletrônicos » Blog Archive » Fila de caixa eletrônico « Mar de Histórias

  2. Exatamente isso Beto, é para que não existam critérios justos na hora de escolher quem dar o voto que a educação não avança, porque enganar um ignorante ajuda a manter as coisas como estão. Grande beijo!

  3. É doloroso, Andreia. Apesar da impaciência que me dá, eu penso que esse povo não é culpado. Atribuir culpa ao povo é o mesmo que penalizá-lo outra vez. Já bastam a ignorância e miséria que herdaram.
    E o mais grave é que na hora de votar, as dificuldades com as urnas elotrônicas também assustam, além, é obvio, da falta de critérios justos para escolher a quem dar o voto. Beijos

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