IX – A língua universal
O príncipe Rajá cansou de ver árvores, pedras, rios, riachos, córregos, insetos, mais pedras, mais árvores e nenhuma feiticeira. O menino havia perdido a conta dos dias em que andava pela Floresta Sem Fim com a jibóia Hamida sobre o ombro, procurando a Feiticeira da Lua Crescente. Sorte que ele agora entendia a língua da cobra. Do contrário, a solidão e o silêncio já o teriam feito desistir da viagem. Todas as pedras azuis do seu turbante haviam sido trocadas por água ou por animais que caçava para comer. Em breve, se não encontrasse a feiticeira, teria de trocar as pedrinhas que enfeitavam a faixa real presa à sua cintura.
Durante a jornada, Hamida contou para Rajá que todas as crianças nascem com a capacidade de entender a língua dos animais e das plantas. Elas também sabem falar com pedras, com a água dos rios, com a chuva e com a terra. Quando crescem, esquecem essa língua e os poucos que se recordam do idioma universal que une todas as criaturas, são considerados mágicos ou loucos. Na verdade, continuava Hamida, magos e feiticeiras são apenas adultos que cresceram por fora, mas continuaram crianças por dentro. Todas as crianças, dizia a jibóia, podem fazer magia, pelo simples fato de que as crianças acreditam que tudo é possível.
Rajá pensava nas lições de Hamida e sentia um aperto no coração. “Se tivesse me lembrado da língua universal antes, não precisaria aprender hipnotismo com tio Islamal e nem teria feito aquela poção tão forte, que deixou meus pais desacordados”. A culpa crescia dentro do menino como erva daninha. Embora uma parte do seu coração quisesse continuar acreditando em Islamal, uma outra, cada vez maior, dizia que o jovem príncipe tinha feito uma coisa muito errada confiando seu reino e seus pais adormecidos ao tio.
Muitas vezes ele pensou em desistir. Muitas outras vezes mudou de ideia e resolveu que continuar era necessário. Um pressentimento de que a Cidade de Ouro e Prata corria perigo rondava os pensamentos de Rajá. A certeza de que, quanto mais ele aprendesse sobre o mundo, mais fácil seria livrar seu palácio desse terrível perigo, o fazia continuar na busca pela feiticeira.
Cansado, depois de mais um longo dia de caminhada, com fome e de mau-humor, o menino tirou a cobra do ombro e sentou-se sob uma árvore. Na sua sacola havia um último pedaço da carne assada que sobrou da caçada do dia anterior. Rajá dividiu a carne em dois pedaços, um para ele e um para Hamida. A jibóia preferia carne fresca, mas como para cada bichinho que engolisse, seu dono teria de deixar uma pedrinha preciosa em troca, a cobra se contentava em comer pedaços da caça preparada por Rajá.
Os pés do príncipe estavam cheios de bolhas e cada vez que ele andava com seus sapatos de pontinhas viradas para cima, as bolhas estouravam e novas bolhas nasciam por cima da pele esfolada. O destemido Rajá, com o turbante sem pedrinhas, os pés mal-tratados e a barriga roncando de fome queria muito estar deitado em almofadas macias, com um braseiro quentinho sob um cobertor que lhe cobriria as pernas…
Continua no próximo post
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Leia o começo da história:
>>Capítulo I: A cidade de ouro e prata
>>Capítulo II: A vida doce dentro das muralhas
>>Capítulo III: Uma gaiola dourada e um passarinho triste
>>Capítulo IV: O sinistro mago Islamal
>>Capítulo V: O pedido de Rajá
>>Capítulo VI: O plano de Islamal
>>Capítulo VII: Aprendiz de hipnotizador
Carta do príncipe Rajá aos pais
>>Capítulo VIII: A Floresta Sem Fim
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