Da série Migrações
Minha mãe odeia os protocolos domésticos. Servir almoço, jantar, botar mesa, tirar mesa. Quando estamos as duas sozinhas, ela sempre tenta driblar o meu gosto pelo ritual das refeições. Ela é uma mulher prática. Mulheres práticas são necessárias neste mundo…
– Boto a mesa completa?
– Não, faz só o ‘PF’ (prato feito). É mais prático.
– Você já reparou que comer dá trabalho?
– Nem diga, por isso que não precisa botar a mesa completa. Senão vai ser uma travessa para o arroz, uma terrina para o feijão, um prato para a carne, outro para a salada, a molheira com a pimenta. Fora os copos, pratos, talheres e as tigelinhas da sobremesa.
– O problema é lavar isso tudo depois, mas até que a mesa fica bonita assim…
– Na daqui de casa nem cabe tanta coisa!
– É verdade… Você já comprou pequena de propósito né? Pra nem dar a ideia de fazer mesa de buffet.
– Que buffet o que criatura, é PF! Que é prático e economiza na lavagem da louça. Serão só dois pratos, o meu e o seu, dois copos, dois garfos e duas facas.
– E a tigelinha de tomar sorvete?
– Ah é, a tigela do sorvete também.
– Por isso que acho que comer dá trabalho.
– Eu sou a favor de inventarem pílulas. Quem é rico, compra pílula de comida chique e pobre toma pílulas de feijão com farinha mesmo.
– Boa ideia. Onde é que vende?
– Não inventaram ainda.
– Trabalho doméstico é um saco!