Escrevi um artigo em tom de desabafo ano passado, falando sobre os megacondomínios em construção na Vila Laura, bairro tipicamente residencial, situado na macro-região de Brotas, em Salvador. Na época, falei de um edifício de 17 andares que fica na rua onde moro, povoada de casas e prédios pequenos de, no máximo, três andares. Também falei do projeto Horto Bela Vista, que irá transformar um último remanescente das antigas matas do Cabula, em um bairro exclusivo para quem pode pagar para ter exclusividade nesse mundo pasteorizado. As obras avançam. O edifício na minha rua já projeta sua sombra imensa. Outros condomínios exclusivos pipocaram depois daquele artigo e o bairro virou um imenso e desconfortável canteiro de obras. Sem falar no trânsito, que já dá sinais de saturação por essas bandas antes tão pacatas… Abaixo, o artigo primeiro, mas com a certeza de que muitas vezes voltarei ao tema. Afinal, é da minha vizinhança que estamos falando!
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Vão construir 19 torres bem aqui!

Foto: Ladyamnesia Bobbie / A ladeira que não leva mais para as chácaras do Cabula
Outdoors, estrelas globais sorridentes e caminhões transportando material de construção anunciam o mega empreendimento Horto Bela Vista, numa área remanescente (?) de mata, na subida da Ladeira do Cabula. Lembrei do professor Cid Teixeira e das suas histórias sobre as laranjas das antigas chácaras deste bairro. Na minha infância, ainda havia uma dessas chácaras. Quando passava por ela, tinha a sensação de que, se atravessasse o portão gradeado ou pulasse o muro, que nem era tão alto, entraria no reino das fadas. Não moro mais no Cabula, embora o bairro onde eu vivo atualmente, também tenha seu quinhão de especulação imobiliária. Em frente ao meu modesto prédio de três andares, uma torre de 17 pavimentos sobe impávida. A bem da verdade, não subiu ainda, mas a demolição da casa colossal, em terreno de cinco mil metros quadrados, que vai abrigar o novíssimo edifício, anuncia para a vizinhança que a Vila Laura já não é mais a mesma. Outras quatro ou cinco ruas do bairro também vão ganhar seus espigões. Mas da minha janela, não serão as caras sorridentes dos meus vizinhos classe-média-alta que verei todas as manhãs. Da minha janela eu vejo a ladeira do Cabula. Numa ironia do destino, vim morar no bairro que fica do outro lado do vale formado pela Rótula do Abacaxi, que como o nome já diz, não é qualquer um que descasca. De um lado do vale, a ladeira do Cabula e a reminiscência de mata e das antigas chácaras de laranjas doces. Do lado de cá, o meu lado, a Vila Laura que já foi fazenda, virou bairro pontilhado de casas com jardins vistosos e edifícios pequenos com playgrounds frescos; e, agora, deve se transformar na nova coqueluche do “bem morar” da capital. A ironia é porque, nostálgica, suspiro aqui e outro ali, vejo a ladeira que me conduz a um período da infância que é bem gostoso de lembrar. O que me intriga não é o avanço das construções. O mundo é populoso e cada diz nasce mais gente. As pessoas querem morar, embora boa parte das que conheço não tenham cacife para morar no Horto Bela Vista. O progresso é necessário (será mesmo?) e coisa e tal… Nada contra a tecnologia, olha eu aqui escrevendo minhas lembranças em um blog; nada contra o conforto, bem que meu quarto podia ser maior e ter uma varanda com rede para as tardes de leitura. Mas o meu questionamento é bem simples: fala-se no horto, nos seus 19 edifícios arranha-céu, no shopping center e nas torres empresariais que vão fechar o cerco moradia-trabalho-e-lazer, tudo no mesmo espaço. Mas não se fala em planejamento, infraestrutura urbana, reordenamento do tráfego, melhoria das condições de vida da população paupérrima que vive no entorno. Enfim, não se escreve uma linha sobre como a Rótula vai se tornar menos Abacaxi e mais condizente com o mega projeto ambicioso ladeira do Cabula acima! Como diria meu filho de 11 anos, “é uma incoerência”. Sem falar que, José Saramago, que é cada dia mais ‘mago’ para mim, previu o advento dos complexos habitacionais-residenciais-diversãogarantida quando escreveu o primoroso A Caverna. O livro é ambientado em uma dessas maravilhas da engenharia moderna e seus moradores-trabalhadores-visitantes vivem confinados no sonho do “tudo ao alcance da sua mão” e nem se dão conta de que, tal qual os habitantes da caverna de Platão, o que veem à sua frente é um mero simulacro de realidade, sombras projetadas na parede. A vida real vai continuar para além dos muros do paradisíaco Horto Bela Vista, espremida e borbulhante na Rótula do Abacaxi.

Foto: Ladyamnesia Bobbie / Vista da minha janela para o futuro Horto Bela Vista
Ola Andreia. Sou vizinho das obras do Bela Vista e tenho atualmente um espaço com fotos no orkut das obras locais. Estava observando sua foto da janela de sua casa. Dá para ver a janela do meu quarto aqui!
Uau, as lentes captam tão longe assim!? Essas fotos foram feitas pela minha irmã. Ela é fotógrafa. Abraços
oi andreia santana,obrigado pela explicação que
você me fez,realmente ao me referir aos gatos
pingados e quem são incomodados com as obras que
saiam do lugar.Foi apenas um modo de desabafo é
´que eu não me conformo com algumas pessoas que
muitas vezes prefere morar no meio do nada que aderir a uma simples barulheira temporaria em
nome do progresso.Mais uma vez muito obrigado e
um forte abraço.
Oi Edvaldo,
Concordo que o progresso precisa existir e que Salvador precisa progredir em termos urbanisticos, mas discordo da afirmação “meia duzia de gatos pingados que se mudem”, porque se for assim, iremos segregar diversas pessoas que tem direito de morar tanto quanto quem paga para viver nos mega complexos luxuosos. Particularmente, acredito que Salvador não precisa de segregação social ou racial, ao contrário, precisa de inclusão. Precisa de uma política de moradia que dê conta de dignificar diversos bairros que se desintegram em miséria e violência. Chega de discursos intolerantes, é hora de compreender que nenhuma sociedade progride se não abarcar soluções que integrem todos os seus membros, do contrário, teremos eternamente ilhas de progresso e modernidade cercadas por um mar de desigualdade. Obrigada pela visita e um abraço para você também!
Canso de falar que quem não esta satisfeito
se retire do lugar,alguns gatos pingados de
salvador ainda não se acordaram para a realidade da vida.Salvador é metrópole e pelo que eu saiba
todas com esta marca a tendencia é crescer não
diminuir,concordo que aja uma relevancia por
parte das construtoras em não sair devastando
todo verde e causar uma série de problemas no
futuro,no restante manda ver do jeito que a nossa
cidade vai será a próxima metrópole a atrair um
forte contigente de trabalhadores, Forte abraço.
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